Ao som de Dirty Paws (Of Monster And Men), Stay Alive (José González) e a marcante Space Oddity (David Bowie), Ben Stiller traz, com “A vida secreta de Walter Mitty” (2013), um filme leve sobre a importância da jornada.
A direção de fotografia é detalhista, com palhetas de cores que se transformam junto com a aventura do protagonista.
Ambientações extasiantes exibem, em grande proporção, a possibilidade de mudanças menores, mais sutis e necessárias – que podemos aplicar em nossas vidas.
Walter sonha acordado. Suas fantasias são recorrentes e dificultam sua vida real.
Ele assiste a si mesmo em atitudes heroicas inimagináveis. Por outro lado, não consegue manter uma conversa com seus colegas de trabalho.
O protagonista é um sujeito comum, cheio de sonhos e reduzido à rotina e à aceitação de uma realidade insípida.
Walter é focado em resultados. Sua função é fazer o tratamento dos negativos fotográficos para a revista Life. E é o que ele faz.
O filme começa com o anúncio de que seria elaborada a última edição física da revista. Quando Walter procura pelas fotos que integrariam a edição, percebe a falta de uma delas.
Como típica narrativa de jornada do herói, o pacato cidadão é provocado. Surge em sua vida um grande desafio. Ele hesita, mas se joga no abismo desconhecido.
Agora, ele tem o grande objetivo de salvar a revista. Walter tem a chance de assumir o protagonismo da Life.
Seu desafio é encontrar o fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn) para recuperar a fotografia. Esta é a meta a ser perseguida, o problema a ser resolvido, a linha de chegada.
Mas, será que “A vida secreta de Walter Mitty” é sobre resultados?
Walter é um sujeito sonhador que foi “colocado no seu lugar”
Ele se sente livre o suficiente para imaginar, para pensar em outras realidades possíveis. No entanto, não parte para a ação. Não sente a confiança necessária para dar o primeiro passo.
O personagem de Ben Stiller vive na lógica do “E se…”:
- e se eu falasse com ela?
- fizesse aquela viagem?
- e se eu salvasse o dia?
Ele é invisível para seus colegas. Lembram-se dele apenas por suas funções profissionais, pelo que Walter deve entregar para que a próxima edição seja finalizada.
Walter Mitty vestiu a camisa da empresa e está solitário em meio a tantas pessoas.
A linguagem poética do filme é demonstrada em diferentes aspectos. O nome do protagonista, Walter, pode ser percebido como uma metáfora. “Walter” lembra alter ego, o outro Eu:
aquele que deseja viver todas as aventuras para além dos limites da pacatez da vida de Mitty.
O nome da revista em que o protagonista trabalha é Life (“vida” em inglês 😉). Lembre que o filme começa com a Life acabando. A ideia aqui pode ser o fim de uma vida para o início de outra.
Uma típica partida para a Jornada do Herói, que não deixa de passar uma mensagem importante.
O super-herói do dia assume sua missão. Como em uma caçada, Walter segue os rastros do fotógrafo. Diferentes histórias inusitadas são vividas pelo protagonista. Suas aventuras passam da imaginação à prática.
O objetivo em si perde importância à medida que percebemos as mudanças do aventureiro durante as viagens.
A vida secreta de Walter Mitty é sobre a jornada
Não sobre a chegada.
O filme não é sobre “uma busca desenfreada por uma fotografia”. Este desafio foi apenas uma forma de iniciar o esforço para expressar-se.
Walter encontra na estrada a oportunidade de conciliar sua vida secreta com sua vida real. Ele se arrisca a transformar aquilo que gostaria de ser naquilo que é.
É fácil perceber que os principais momentos do filme ocorrem durante a viagem. Embora o final seja interessante e complete a jornada do herói, as maiores reflexões são extraídas enquanto Mitty está reconciliando desejos e ações.
Percebemos o poder do processo para o desenvolvimento pessoal e para a realização de sonhos. Verdade que o filme não traz explicações prontas e, também, não se apresenta como algo que irá transformar a sua vida.
É provável que assistir ao filme não seja tão impactante, mas certamente vai convidá-lo a se jogar na aventura que tanto deseja.
Caminhos são sobre impermanência
A principal cena do longa, quando Walter encontra Sean O’Connell, acontece no alto de uma montanha.
O’Connell está posicionado para fotografar a aparição de um guepardo. O fotógrafo, ao se referir aos hábitos reclusos do animal, diz:
As coisas belas não pedem atenção.
A cena continua e o guepardo finalmente aparece. O fotógrafo visualiza o animal, mas não faz a fotografia. Walter pergunta o motivo e O’Connell responde:
Se eu gosto de um momento pessoalmente, não quero ser atrapalhado pela câmera. Eu só quero ficar nele, como estar bem aqui.
O personagem O’Connell nos deixa a mensagem de que a satisfação não está no registro, na permanência, mas na experiência presente.
Todas as boas experiências acabam. Por isso, é preciso vivê-las intensamente.
O filme é sobre caminhos e jornadas, porque defende o foco no presente.
O protagonista pode não ter sido o melhor exemplo disso. Afinal, ele estava correndo em busca de um objetivo concreto e pode não ter vivenciado com a maior intensidade todo trajeto de sua aventura.
Mas, aliás, quem sabe dizer qual a intensidade correta para viver algo?
Walter apenas experimentou outros modos de ser. Arriscou-se ao abismo das incertezas. Durante o caminho, viveu e, como efeito secundário, transformou-se.
Poderia ter sido diferente
E se ele tivesse percebido que a fotografia estava mais perto do que imaginava? (Consegui evitar o spoiler? haha).
Talvez, não houvesse filme, nem jornada, nem transformação, nem mensagem. Seria apenas mais um sujeito comum cumprindo suas obrigações.
A transformação do nosso herói, após toda jornada, é evidente. Ele escapou de sua zona de conforto. Reconstruiu a ponte entre a imaginação e o mundo real, entre os desejos e as experiências.
Por coincidência, tenho nome parecido com o do protagonista e, às vezes, também sonho acordo.
Em proporção menor, tive uma experiência interessante há alguns dias sobre a “escolha do caminho”.
Saí para fotografar as ruas da cidade.
Em vários momentos, poderia ter reduzido o caminho e voltado ao meu apartamento.
Não o fiz. Escolhi de forma consciente as ruas mais longas, os percursos mais demorados. Por quê?
Bom, a aventura do meu dia estava na jornada. Sequer havia escolhido um local para fotografar. Só caminhei. Descobri e registrei novas perspectivas.
Assim, apliquei uma pequena lição que aprendi com Walter Mitty: as grandes emoções são vividas no durante, não no depois.
Valter Machado
Sou estrategista de conteúdo e redator. Escrevo para oferecer caminhos mais leves para as pessoas alcançarem seus objetivos.
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