“Para viver, é preciso sentir. Para crescer, é preciso saber o que fazer com o que se sente.”
A vida emocional é tão inevitável quanto o ato de respirar. Emoções nos atravessam o tempo todo: alegria, medo, tristeza, raiva, nojo.
Algumas vêm como um vento leve; outras parecem que vão te derrubar. Mas o que realmente diferencia quem sofre das próprias emoções de quem consegue crescer com elas não é o tipo de emoção, mas a capacidade de sentir melhor.
Afinal, o que é regulação emocional?
Regulação emocional é um conjunto de processos que usamos para modular nossas emoções: como as sentimos, expressamos e lidamos com elas ao longo do tempo.
Envolve a capacidade de identificar, compreender, aceitar e influenciar nossos estados emocionais de maneira que estes sirvam à nossa saúde, aos nossos relacionamentos e aos nossos valores.
Parece algo simples.
Mas se fosse, não estaríamos vivendo uma epidemia silenciosa de desregulação:
- ansiedade que paralisa,
- raiva que explode,
- tristeza que sufoca,
- culpa que não solta.
Emoções: o coração da regulação
Como apontam Leahy, Tirch e Napolitano (no livro “Regulação Emocional em Psicototerapia), as emoções são sistemas evolutivos complexos. São respostas rápidas a estímulos internos ou externos, que envolvem:
- Avaliações cognitivas (“isso é perigoso?”),
- Mudanças fisiológicas (batimentos, tensão muscular),
- Tendências de ação (lutar, fugir, congelar),
- Expressões corporais (rosto, postura),
- Experiências subjetivas (como é sentir essa emoção).
Ou seja: emoção é cérebro, corpo, ação e significado. Por isso, regular uma emoção não é apenas “pensar positivo” ou “respirar fundo”. É influenciar todo esse sistema de modo funcional.
A dança entre emoção e cognição
Regulação emocional não é suprimir emoções. É aprender a dançar com elas — e, quando possível, liderar a dança.
Como isso acontece?
Imagine um paciente chamado João. Ao receber uma crítica no trabalho, ele sente vergonha e medo. Automaticamente, sua mente dispara pensamentos como “sou um fracasso”, “vão me demitir”, “nunca sou bom o bastante”. Seu corpo reage com taquicardia, suor, tensão. Ele se cala, evita contato visual e passa o dia ruminando.

Agora, imagine se João soubesse identificar essa sequência. Se pudesse nomear a emoção (“estou com vergonha”), validar sua função (“essa emoção está tentando me proteger de um julgamento social”), desafiar os pensamentos (“um erro não define meu valor”), e escolher uma resposta alinhada com seus valores (“vou conversar com meu chefe e aprender com isso”).
Isso é regulação emocional.
Três caminhos fundamentais da regulação emocional
Três componentes centrais organizam a regulação emocional:
1. Consciência emocional
É a habilidade de perceber e nomear o que se está sentindo. Envolve:
- Atenção plena ao momento presente,
- Reconhecimento da emoção e suas nuances,
- Clareza emocional (saber diferenciar raiva de frustração, tristeza de vergonha).
Pessoas com dificuldades aqui tendem a ser dominadas pelas emoções ou a negá-las. Treinar essa consciência — por meio da mindfulness, por exemplo — é o primeiro passo para regular.
2. Aceitação emocional
É o oposto de lutar contra a emoção. Envolve acolher o que se sente sem julgamento, reconhecendo que sentir não é o problema — é parte da solução.
Aceitar não significa aprovar ou se resignar. Significa permitir-se sentir para então escolher o que fazer com isso. A terapia de aceitação e compromisso (ACT) e a terapia comportamental dialética (DBT) trabalham fortemente esse eixo.
3. Modulação emocional
Aqui entra a ação. Regular não é só sentir ou aceitar, mas também escolher:
- Reduzir a intensidade de uma emoção (ex: técnicas de relaxamento),
- Prolongar emoções desejáveis (ex: cultivar gratidão),
- Mudar o foco atencional, a interpretação cognitiva ou o comportamento.
Estratégias adaptativas x desadaptativas
Nem toda forma de lidar com emoções é útil. Algumas estratégias — como evitação, supressão, ruminação, autocrítica — podem até trazer alívio imediato, mas pioram o sofrimento a longo prazo.
Por outro lado, estratégias adaptativas — como reavaliação, aceitação, autocompaixão e resolução de problemas — estão associadas a melhor saúde mental, resiliência e bem-estar.
A psicoterapia baseada em evidências ensina e treina essas habilidades. Cada abordagem tem seus recursos — mas todas compartilham o objetivo de ajudar o paciente a se tornar um melhor regulador de si mesmo.
Regulação emocional e psicopatologia
A desregulação emocional é um marcador transdiagnóstico. Isso significa que está presente em múltiplos transtornos:
- Transtornos de ansiedade: evitação emocional e ruminação ansiosa;
- Transtorno Depressivo Maior: desamparo aprendido e rigidez cognitiva;
- Transtorno de personalidade borderline: impulsividade e hipersensibilidade emocional;
- Transtornos Obsessivo-compulsivo: tentativas rígidas de neutralizar desconforto interno;
- Transtornos alimentares: uso da comida como regulador emocional.
Tratar a regulação não é tratar um sintoma isolado — é atuar no núcleo do sofrimento humano.
A neurociência por trás da regulação
Pesquisas em neuroimagem mostram que a regulação emocional envolve circuitos entre o córtex pré-frontal (funções executivas), a amígdala (emoção), o cíngulo anterior (atenção) e a ínsula (interocepção).
Pessoas treinadas em mindfulness, por exemplo, apresentam maior conectividade entre essas áreas, o que favorece o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva.
As evidências são de que regular emoções é treinar o cérebro.
O romantismo da regulação: entre poesia e ciência
Talvez a imagem mais bonita sobre regulação seja a de uma vela acesa num quarto escuro. A emoção é o fogo — pode aquecer ou queimar. A regulação é o castiçal — dá forma, direção e propósito.

Regular emoções é também um ato de amor próprio. É escolher, todos os dias, ser um lugar seguro para si mesmo. Não é sobre controlar tudo. É sobre acolher, entender, redirecionar. É sobre criar um espaço interno onde até o caos possa dançar sem destruir.
Como desenvolver regulação emocional?
A boa notícia é que regulação é uma habilidade — e, como tal, pode ser aprendida. Algumas práticas:
- Psicoterapia baseada em evidências: como a TCC, DBT, ACT e terapia focada na compaixão.
- Mindfulness: atenção plena ao momento presente sem julgamento.
- Autocompaixão: tratar-se com a mesma gentileza que se trataria um amigo.
- Escrita expressiva: organizar pensamentos e emoções por meio da escrita.
- Educação emocional: aprender sobre emoções, funções e estratégias.
Conclusão
Regulação emocional não é sobre não sentir. É sobre saber o que fazer com o que se sente. É sobre transformar emoção em sabedoria, sofrimento em autoconhecimento e crescimento, vulnerabilidade em força.
Na psicoterapia, esse é um dos aprendizados mais valiosos: como ser íntimo das próprias emoções sem agir impulsivamente a partir delas.
E, a partir disso, viver com mais presença, liberdade e verdade.
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